O portal G1 publicou um vídeo em que pai e filho discutem durante a
manifestação contra a copa, ocorrida nesta quinta-feira (12) nos
arredores da Arena Corinthians. A gravação mostra um garoto de 16 anos
brigando pelo direito de se manifestar e um pai reivindicando sua posse
do filho. O vídeo abaixo não conta com a fala da jornalista Leilane
Neubarth, mas ela pode ser vista neste link, direto do site da Globo.
“Você é meu filho, você não foi criado pra isso”, diz o pai, que recebe
um “tanta gente morrendo, eu quero o meu direito, deixa eu ir atrás do
meu direito!” em resposta. O pai também avisa o filho que, caso ele
queira protestar, ele primeiramente precisa arranjar um emprego, e
complementa com “você tem educação, eu te pago escola!”
O filho, por sua vez, repete
incessantemente a necessidade de exercer seu direito de protestar pela
construção de escolas, hospitais e contra todo o “povo manipulado”. Em
meio a tudo isso, a apresentadora Leilane Neubarth contextualiza
precariamente a situação. Segundo ela, “o bonito neste caso, é que os
dois argumentam e cada tenta convencer com o seu argumento,
exclusivamente na argumentação, sem violência [...] depois destes
momentos, o pai conseguiu convencer o filho a ir pra casa”.
Pai vs Filho
Este é o drama da classe-média pois, ao mesmo tempo, ela vaia Dilma,
exige que a corrupção seja abolida, exige mais hospitais e mais
educação, mas não se arrisca indo para as ruas. O pai, como esperado,
exalta os valores do trabalho e da obediência, enquanto o filho, como
também esperado, não consegue ir além da superfície do discurso
político.
O filho de 16 anos ainda não consegue
articular corretamente o discurso político e o pai consegue usar a
autoridade que lhe é concedida pela sociedade sem maiores problemas. O
resultado disso é a aprovação que ele tem nos comentários espalhados
pelo facebook.
O drama da classe-média, portanto, é ser
contra algo e não poder protestar, para não ser “baderneiro”. A
classe-média protesta de roupa branca, protesta no facebook, protesta na
cabine eleitoral e na arquibancada VIP do estádio. Seus filhos, movidos
pelo impulso à desordem típico da juventude, são castrados
sistematicamente para entrarem na lógica da obediência ressentida,
representada tão claramente pelo pai.
A apresentadora
No entanto, a apresentadora é a pessoa
mais nociva de todo esse vídeo. Leilane faz parecer que este drama é
algo universal, faz parecer que este é um drama comum e que ele se
desenvolveu e foi resolvido de maneira democrática. Pela fala final da
jornalista, podemos ser levados a pensar que tudo isso se passou numa
Ágora grega, num espaço público de debate onde a democracia era exercida
por aqueles que podiam e tinham a capacidade de discursar.
Tudo se passa como se pai e filho
estivessem se relacionando horizontalmente e “sem violência”, como a
própria apresentadora diz. Entretanto, pai e filho nunca estarão se
envolvendo de igual para igual. É óbvio que a relação é desigual e é
óbvio que o pai sempre terá mais legitimidade que o filho. Evidentemente
o pai não tem argumentação nenhuma (e nem o filho), mas ele é elogiado
nas redes sociais, não por ter razão, mas por ser pai e exercer sua
autoridade de pai contra a suposta imaturidade do filho.
A violência acontece quando o pai pega o
filho pelo braço e o joga contra o carro, quando retira a máscara de seu
rosto e quando o obriga a entrar no carro. Não há discussão, há
repressão – repressão que um pai é autorizado a exercer sobre seu filho.
Ao contrário do que foi dito por Leilane, o pai não convenceu o filho a
ir pra casa, o pai o obrigou, exercendo o poder que lhe é garantido
socialmente.
É interessante para a grande mídia
apresentar situações como essa, claramente desiguais, como exemplos de
democracia, pois nessas situações, o lado minoritário sempre perde.
Quando elas são apresentadas como situações democráticas, pode-se dizer
que o lado minoritário perdeu não por uma questão de poder, mas por uma
questão de racionalidade. Perdeu porque não tinha razão. O que é
mentira! A razão sempre está na mão de quem pode exercer mais poder.