quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Marco regulatório: a gota d’água

Conhecidos os resultados eleitorais, espera-se que, no seu segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff enfrente a questão inadiável de um marco regulatório democrático para o setor de comunicações ou “da regulação econômica do setor” como ela mesma tem dito.
O grand finale do processo de construção de uma “linguagem do ódio” e da partidarização da cobertura jornalística – que vinha progressivamente se radicalizando ao longo de toda a campanha – confirmou os graves riscos para o processo eleitoral e, sobretudo, para a própria democracia, de um mercado oligopolizado que favorece a ação desmesurada e articulada de grupos privados de mídia na defesa de interesses inconfessáveis.
Refiro-me, por óbvio, à edição 2397 da revista Veja, do Grupo Abril, à sua circulação antecipada, à sua planejada repercussão em outros meios de comunicação e à sua utilização (capa reproduzida e distribuída como panfleto) no esforço derradeiro de cabos eleitorais do candidato Aécio Neves.
Liberdade de expressão?
A edição 2397, que não foge ao padrão rotineiro praticado pela Veja, abandona princípios elementares do que possa ser chamado de jornalismo, nos termos definidos historicamente pela própria indústria de comunicações.
Um bom exemplo poderia ser “a teoria da responsabilidade social da imprensa”, consagrada pela Hutchins Commission (Estados Unidos, 1947): “Propiciar relatos fiéis e exatos, separando notícias (reportagens objetivas) das opiniões (que deveriam ser restritas às páginas de opinião) e servir como fórum para intercâmbio de comentários e críticas, dando espaço para que pontos de vista contrários sejam publicados” (ver aqui).
Aparentemente Veja não se preocupa mais com sua credibilidade como produtora de notícias e cultiva de forma calculada um tipo de leitor cujas opiniões ela expressa e confirma. De qualquer maneira, em momentos críticos de um processo eleitoral seu poder de fazer circular “informações” no espaço público é inquestionavelmente ampliado por sua cumplicidade de interesses com outros oligopólios da grande mídia.
Acrescente-se que Veja sempre se ampara legalmente em artimanhas jurídicas de profissionais da advocacia e, muitas vezes, em decisões do próprio Poder Judiciário que tudo permite em nome da liberdade de expressão equacionada, sem mais, com a liberdade da imprensa.
Não foi o que aconteceu dessa vez.
A resposta do TSE
Ações judiciais impetradas pelo PT no TSE tentando diminuir as consequências daquilo que a candidata/presidente Dilma chamou de “terrorismo eleitoral” foram objeto de decisões imediatas e impediram que as consequências fossem ainda mais danosas – embora não houvesse mais tempo para “apagar” insinuações e denúncias publicadas sem qualquer comprovação às vésperas das eleições.
As decisões do TSE, claro, foram rotuladas de “censura” pelo Grupo Abril e unanimemente pelas entidades que representam os oligopólios de mídia – ANJ, Abert e Aner – assim como pelo candidato Aécio Neves, diretamente beneficiado.
De qualquer maneira, a reação pública imediata da candidata/presidente Dilma no horário gratuito de propaganda eleitoral e as decisões do TSE reacendem a esperança de que a regulação democrática do setor de comunicações receba a prioridade que merece no próximo governo.
Talvez a edição 2397 de Veja tenha involuntariamente sido a esperada gota d’água que faltava para que finalmente se regulamente e se cumpram as normas da Constituição de 1988 relativas à comunicação social – que, aliás, aguardam por isso há mais de um quarto de século.
Em especial, urge ser regulamentado e cumprido o parágrafo 5º do artigo 220 que reza: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.
A ver.
Venício A. Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador/autor com Juarez Guimarães e Ana Paola Amorim de Em defesa de uma opinião pública democrática – conceitos, entraves e desafios (Paulus, 2014), entre outros livros.
Tirado do Viomundo

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Enquanto a Escola Porto Alegre é fechada Zero Hora se preocupa com custo de placa para a Av. Legalidade

A falência do jornalismo não é visível apenas nas grandes cartadas panfletárias como a da Revista Veja as portas das eleições. Notícias aparentemente inocentes e triviais buscam os mesmos efeitos. A condução de opinião e a ocultação de coisas desagradáveis em relação aos seus interesses. Muito destaque tem sido dado aos resultados das recentes eleições onde a política é discutida no seu âmbito nacional, e em menor escala estadual. Enquanto isso a política municipal fica numa posição bem confortável e o jornalismo rasteiro da Zero Hora cumpre seu papel. 
Sua inconformidade com a troca do nome da Av. Castelo branco para Legalidade se traduz na noticia publicada hoje em seu portal, onde lemos: "Novas placas da Avenida da Legalidade custarão R$ 2,3 mil". A notícia enfatiza apenas o lado negativo da troca de nome. Uma descrição seca dos nomes envolvidos na troca de nome, esvazia a necessidade de de valorizar a democracia em contraponto a ditadura que o Brasil viveu entre 1964-89. Toda esta dificuldade e resistência da direita e de sua mídia, inclusive após a decisão da câmara municipal, mostra o quanto esta democracia precisa ser valorizada e ao mesmo tempo conquistada e ampliada. 
A notícia da ZH mostra em que posição ela está neste processo. Nos comentários do Facebook os leitores espumantes reclamam que este dinheiro poderia ir para a áreas como a Educação, porém não vamos encontrar esta indignação dos leitores em relação ao fechamento arbitrário fechamento da Escola Porto Alegre pela prefeitura municipal de Fortunati, porque a Zero Hora não se deu o trabalho de cobrir.
Nota: Qualquer noticia da ZH linkadas neste blog estão encurtadas através do naofo.de

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A Veja é um panfleto!

Até hoje sempre havia me referido a Revista Veja como um panfleto, porém era apenas uma força de expressão devido a sua postura de pautar e polemizar a corrupção sem base material na realidade em benefício eleitoreiros de candidatos de direita e também alimentando um antipetismo descontrolado e inconsequente. Chamava a Revista Veja de panfleto pois seus textos são tão diretamente políticos quanto os panfletos de antes do inicio do Século XX. Antes do jornalismo ter se embebido pela lógica da mercadoria e vender a notícia como tal. Essa é a diferença entre o jornalismo atual e o do século anterior aos anos 20-30.
Revista Veja é um panfleto
A Revista Veja retornou mais um Século e voltou a fazer panfletos exclusivamente políticos, notadamente partidários e eleitoreiros. Se retornarmos a capas antigas da revista em vésperas de eleições veremos que tal estratégia não é nova. Mas é a primeira vez  que vejo a revista abandonar por completo sua função jornalistica e encarnar objetivamente a função de panfleto de partido.
Mais problemático não é posicionar-se politicamente, mas é distribuir uma capa de revista como panfleto político, sem assumir-se como tal, abandonando os próprios princípios jornalísticos que defende como a "imparcialidade" e a "objetividade", sem sequer utilizar a saída comum de "buscar chegar o mais perto possível". Dessa forma nem se abre espaço para questionar esses princípios que guiam as práticas jornalísticas atuais pois a própria publicação atenta violentamente contra esses princípios.
Espero que a revista (seus donos e responsáveis pelo panfleto) pague na justiça pela manobra, porém emito meu palpite de que o caso não tem potencialidade para comover e mobilizar a sociedade contra esta atitude da imprensa de forma ampla como na Inglaterra ocorreu com os tabloides. Naquele país os exageros da imprensa chegaram a um cúmulo quando um tabloide de Murdoch invadiu a caixa de correio de uma menina sequestrada e morta. Lá o caso mobilizou a população que culminou em uma regulação da imprensa no pais. 
Enquanto a atitude da presidente Dilma de acionar a justiça é válida, mas insuficiente se não for acompanhada de uma política de mídia que pare de alimentar sua própria destruição e dependendo do resultado de amanhã poderá ser tarde demais.